quarta-feira, 16 de março de 2011

Criança, a alma do negócio

Caminhando nos cheiros do lugar: Viveiro Manequinho Lopes-Veredas


Deambular, à noite, no viveiro é uma arte de descobrir, escutar, olfatar e sentir. O primeiro passo, a decisão de partida, é a escolha da vereda inicial – e é só essa que a gente, de verdade, escolhe pois, que as outras, as seguintes, vão aparecendo na caminhada. É preciso não temer a noite, os ruídos, as sombras e movimentos furtivos das folhas e galhos das árvores – todo bosque tem vida noturna, imperceptível durante o dia. É preciso caminhar com a antena olfativa bem apurada – muitos cheiros se apresentam inesperadamente, efêmeros, duram menos do que o tempo necessário para que a nossa consciência deles se aproprie. As novas veredas a serem percorridas vão surgindo em função da última impressão nos sentidos – um cheiro que se procura a origem, o ruído de um pequeno animal correndo nas folhas ou o piado lamuriento de uma ave acordada de sobressalto. Não há plano pré-estabelecido e os únicos limites impostos são os do espaço de circunscrição do viveiro e o do horário de término da aula. Vou caminhando, marcando pontos no mapa, no escuro – 20 pontos assinalados ao todo, como segue:

  • 1. Fresco, molhado, asfalto, silêncio – absorve, envolve;
  • 2. (de repente) flores exalam seu dulzor – anima a caminhada;
  • 3. Urina de animal, acre, pelo molhado – fere o sentido do cheirar;
  • 4. Terra revolvida, molhada – para que lado vou?
  • 5. Calor, cheiro seco, eucaliptos – cheiro e movimento, sussurro do vento;
  • 6. Cheiro de palha molhada e quente – estábulos?
  • 7. Mata, rala, verde, cerca – movimento do outro lado, outro mundo, outro parque;
  • 8. Carros, estacionamento, cheiro de máquina, óleo de motor;
  • 9. Outra vez o dulzor das flores que não se vêm;
  • 10. Baunilha seca – sei que é uma orquídea, não a vejo;
  • 11. Óleo de motor, acre, concentrado;
  • 12. Favas torradas, quentes;
  • 13. Doce/azedo, frescor verde;
  • 14. Lixo, putrefação vegetal, morno, mole;
  • 15. Frescor, ar livre;
  • 16. Bálsamo;
  • 17. Folhas cortadas – picotadeira?
  • 18. Indefinível, suave, adocicado;
  • 19. Acre, seco, queimado – chão;
  • 20. Queimado, quente – fogo?

Por Alice Branco Weffort de Schneider